domingo, 12 de abril de 2015

RELATO DE UMA VIAGEM A CUBA, por Inêz Lucena.

Não lembro quando ouvi falar de Cuba pela primeira vez, mas certamente, diferente de muitas crianças e jovens de hoje em dia, minha apresentação a esse país se deu bem mais tarde. Viver a infância em um cidade conservadora, no interior, e mais tarde, a adolescência e a escola secundaria nos anos da ditadura brasileira não foram, obviamente, espaços e tempos dos mais propícios para o entendimento de especificidades de um território, e de um regime político, tão peculiar, quanto o que encontramos em Cuba. Partindo do aeroporto do Panamá, depois de seis horas de viagem entre Brasil e o estreito, sinto uma emoção já de dentro do avião. A aproximação da região, em épocas de menos abertura, definida e anunciada pelos antigos pilotos da companhia aérea Cubana como “o primeiro território livre da América Latina” não é mais proclamada como tal, e resta a nós, defini-la como quisermos. O céu é azul e branco, as nuvens companheiríssimas e uma deliciosa ‘torrada francesa’ (das raras comidas boas servidas em avião) fazem passar mais rápido a meia hora restante que nos separa das 13:10h, horário (Brasil) em que que avistamos a ilha pela primeira vez. Parece-me tão pequenina em extensão, incompatível com a bravura tão grande! Mesmo parte do mesmo globo, uma personalidade forte distingue o país das outras nações. A obstinação e a resiliência de seus habitantes, diante da dificuldades, impostas especialmente pelo vizinho poderoso, deram ao seu povo uma qualidade, ou diria até, um bem, identificado logo ao chegar: a altivez. Obviamente que o fato de Cuba ter sobrevivido orgulhosa, naquele espaço geográfico em que se encontra, bem próxima ao istmo que liga as Américas deve-se principalmente à valentia dos cubanos, heróis anônimos que juntamente com os heróis famosos, resistiram e se viraram como podiam durante tempos difíceis.
José Martí, o nome de um desses heróis famosos é reconhecido já na chegada, no aeroporto que o homenageia - um dos lideres da independência cubana, no período colonial, Marti é um dos nomes mais lembrados em Havana. Na simplicidade quase de uma rodoviária interiorana, e acolhedora, vamos percorrendo o saguão de chegada até o precário escritório de câmbio, onde trocamos nossos primeiros euros por Cucs (a moeda utilizada em Cuba para estrangeiros). Ao lado, um balcão em que são vendidos alguns poucos produtos, dentre eles... Coca-Cola e m&m.
Esperando-nos em um carro de 1952, Luís, nosso hospedador, é um simpático e conversador contrapropista - nome dado a quem inicia atividades particulares e que não trabalha para o estado. Luís transformou seu amplo apartamento em um Hostal e tem a licença do estado para desenvolver a atividade de turismo junto com sua família. Com um jeito de quem já trabalhou em hotéis a vida inteira, ele, um engenheiro elétrico, com formação na Rússia, desempenha seu papel de recepcionista, empreendedor, técnico de consertos caseiros e, como guia turístico, nos apresenta Havana enquanto seguimos no Sinca Chamboard preto até Vedado, nosso bairro habaneiro.
A chegada no velho e desajeitado prédio impressiona. Sem elevador, precisamos subir três andares e é quase sem fôlego que chegamos no amplo e arejado apartamento que anima os visitantes. Orgulhoso, Luís nos mostra o quarto (pequeno e simples, mas com banheiro privativo, um frigobar, cama e um guarda-roupa antigo da década de 40). Depois de ver o quarto, apreciamos a sacada e a vista para a praça e para o mar. Estamos acomodados, encantados e felizes! A outra parte da trupe hospeda-se próximo dali, no virar da esquina, espaço também sob a gerência e organização de Luís. Margot, a dona do apartamento compartilha com as visitantes sua principal aspiração desde o avanço das negociações entre EUA e Cuba: juntar dinheiro para poder visitar os filhos que trabalham em Miami.
O café da manhã na caseira hospedagem é oferecido por 3 Cucs e vem acompanhado de frutas (abacaxi, mamão e goiaba), suco (de goiaba ou de mamão), ovos (quando há disponibilidade de compra), pão, queijo, presunto e manteiga. Gostamos! O leite não é servido, e o café é oferecido em xícaras de cafezinho. Estranhamos!
Por uma dessas sortes do destino, antes ainda de sair do Brasil, ficamos sabendo que Silvio Rodriguez faria um show no dia de nossa chegada. Suas apresentações, parte de um projeto de mais de quatro anos, são feitas na rua, gratuitas. Coerente com sua postura revolucionária, Silvio mantém um projeto de levar música boa para bairro muito pobres de Cuba. O show foi bárbaro! Um dos cantores e compositores mais expressivos de Cuba e com um forte apelo entre jovens e adultos, com uma multidão de fãs (muitos deles argentinos, dentre eles Maradona, naquele dia alí presente), cantava pertinho do povo, pertinho de nós que, no gargarejo do palco montado no meio de uma rua do bairro Zamorra, íamos nos encantando com o showzaço! A simpatia de Silvio, as pessoas debruçadas nas casas, nos portões, nas soleiras das portas, a conversa com habaneiros e a noite belíssima nos deram as boas-vindas em Havana, em 9 de janeiro de 2015. Silvio “una voz que es Cuba”, queremos te escutar outra vez, sempre mais....e quando possível, ao vivo, em cores e em coro!
No primeiro dia, dois casais, um de argentinos e um de brasileiros tomam café conosco. Com preguiça e com muita conversa, vamos trocando impressões e informações em um ambiente pra lá de amigo, enquanto esperamos a chuva parar. Ao ser provocado por Romeu sobre a informação dada pelo hospedeiro que “en enero en Cuba no hay lluvia”, Luís ri e diz que nunca antes havia tido. Mas a chuva não demora e na estiagem, aproveitamos para caminhar em direção à Havana Velha. A caminhada é ótima e aproveitamos para conhecer o bairro e espaços, como praças e livrarias. A paisagem é singular e a arquitetura colonial às vezes parece ter sido remendada, pois muitos prédios precisaram ser aumentados para prover moradias no período pós-revolução. As poucas placas e sinais que lemos revelam uma paisagem linguística em um espaço urbano que vive sem outdoors, com exceção, é claro, de cartazes com propaganda da revolução e da resistência. E eles nos chamam a atenção. José Martí, o mesmo do aeroporto e um dos cérebros da independência cubana, é o detentor da maioria das citações espalhadas na geografia de havana. Seguem-se a ele, Fidel, Che, e Chavez, sendo que esse último é lembrado especialmente às margens das rodovias intermunicipais. Um desses cartazes com presença mais insistente é o de uma mão esmurrando o nariz do tio Sam, cuja legenda faz referência ao bloqueio como “el major genocídio de la historia”. Há muitos outros que exaltam a revolução e também seu aniversário, nesse caso o 56o, celebrado no dia 1o de janeiro. Os cartazes revelam orgulho, altivez e autoestima do povo cubano e eles nos comovem! Diria até que eles causam um certo ciúme de quem pertence àquela realidade, de quem tem como herança uma história tão digna e tão bonita!
Volto às ruas. 
Nos arredores do Hotel Havana Libre os ares de circuito turístico já estão presentes em tiendas com produtos internacionais, shampoos, perfumes, bebidas, artesanias e lojas que anunciam “rebajas”. Mas, por enquanto, em nosso trajeto, essa concentração aparece só ali. Na continuação do caminho para Havana Vieja muitas vitrines escuras, empoeiradas e sem compradores. Os poucos produtos espalhados em vitrine, embaçadas e esquecidas, parecem não ter mudado de lugar ou ter sido limpos, por meses. Em algumas portas, um comércio que lembra armazéns antigos, com prateleiras de madeira que acomodam um ou dois pacotes de açúcar, uma pasta de dente e uns poucos doces nacionais. Em lojas, pode-se encontrar alguns coloridos vestidos de nylon em cores vivas, uma camisa de moda atemporal, e quase nada mais.
No percurso está a Universidade de Havana, um lindo prédio cuja pequena pracinha em frente acomoda o monumento a Mella repleto de flores pelo aniversário do assassinato do herói, 9 de janeiro. Pesquisando sobre o homenageado, descobrimos que ele foi parte importante da história cubana, um estudante-herói revolucionário. Na descida da rua, a livraria Alma Mater, com uma coleção incrível de livros, impressiona e empolga os compradores com os títulos e com o preço. Muito baratos, todos em Moeda Nacional.
Agora, o único problema passa a ser o peso da mala!
Com vontade de doce, não conseguimos esperar chegar no café O’Reilly, reconhecido e indicado por
amigos e aceitamos a oferta da simpática senhora, vendedora de doces, cujo tabuleiro era apreciado entre as colunas do museu que já fechava...uma mistura de pão de ló, confeitado com açúcar e cores fez a nossa alegria. Ganhamos a rua com mais sede para o café e na linda rua O’Reilly, o melhor café de Havana.
Diante de tantas opções no cardápio, a dissidência do café pelo companheiro ao descobrir que ali também é oferecido um ótimo mojito.
Também La bodeguita, o festejado bar, fica a poucos passos dali. Os recorrentes lembretes sobre exploração e preço abusivo do mojito não nos afasta da ideia de tomar o drinque no bar eternizado por Hemingway. E, de fato, não era alarmismo dos bons amigos cubanos. O drink vale muito mais naquele espaço do que em qualquer outro lugar. Cinco Cucs contra dois ou três, dependendo dos outros locais.
Mas o sabor, diferente do que também é anunciado por tantos, não decepciona e a música e o lugar são muito acolhedores. O sabor refrescante do mojito e o calor combinam demais e fazem as horas passarem depressa. Com outra indicação, partimos para um outro bar, em um hotel próximo com música excelente e preços mais honestos. A mesinha na calçada, a noite amena, o rum e a cantoria do grupo trazem o conjunto lá de dentro para fora. Com a calçada tomada pela dançarina e dançarino brasileiros, alemães e franceses aceitam o convite e entram na salsa. Quando a música contratada acaba, outras cantoria improvisada, começa. Muitos risos e boa companhia! Quase hora de ir para casa, mas no caminho da volta, mais um curva e mais um bar....El Amarillo. Musica Cubana “da terra” e muita animação.
Entramos. Mais brincadeira, diversão, Cubanos, italianos, francesas, brasileiras e um brasileiro em felizes encontros! No tchau, um aceno e um grito dizendo que, afinal - no final - nous sommes tous Charlie...
Um giro por Havana permite inusitadas e divertidas interações com pessoas de todos os cantos do mundo, além é claro, dos habaneiros, simpáticos, cultos e de ótima conversa. A peregrinação, quase que diária, pelo velho centro revela-nos galerias underground, personagens incríveis, crianças inventivas, se divertindo com brinquedos adaptados, uma vida única que dá vazão a partir das portas imensas dos grandes casarões. Estamos mesmo em uma cidade única e nosso olhar veste-se de câmaras e de celulares.
Giramos, olhamos, fotografamos, rimos e posamos.
Há surpresas como o encontro inesperado com a estátua de Antonio Gades em uma praça, imortalizado na erudita ilha. Há também exposições contemporâneas que acontecem na cidade e que podemos nos deparar a qualquer momento como foi o caso da “United Buddy Bear – the art of tolerance”, exposição com 140 ursos criados por diferentes artistas de vários países, colorindo a imensa praça da igreja São Francisco e lembrando a importância da tolerância ao diferente.
Além das caminhadas e descobertas, nossa intenção de visitar dois museus, para nós imperdíveis! O
museu de La revolucion e o museu de Belas Artes que conta com uma incrível coleção de arte Cubana. No primeiro, a imponente edificação, os buracos de balas e a história ali abrigados comovem os visitantes. A visita é lenta e apreciada. Muita história não contada pras bandas de cá. Fotos, objetos e dados que os visitantes tentam compreender em tão pouco tempo. Por perto, um senhor cubano explica para uma amiga estrangeira sua própria história como combatente das tropas revolucionárias. Juntamente com um casal de jovens, nossos cúmplices por uma piscadinha, vamos ouvindo discretamente o relato e descrição do guerrilheiro diante das fotos e de acontecidos vividos pelo próprio, segundo ele, há 56 anos. O museu de belas artes, com exposições de arte de diferentes períodos apresenta diversidade e obras incríveis que evocam a critica social e merecia ter sido ainda mais apreciado do que possibilitou nosso cansaço. Além das obras, ficou na lembrança a alegria e a conversa da moça que cuidava do toalete e do bar e também a agradável balconista que na loja do museu nos indicou o endereço onde poderíamos comprar os procurados documentários, a Rua Neptuno.
O Morro Cabaña surge como um roteiro interessante para um final de tarde. Toni, um culto advogado – taxista, se encanta e encanta a amiga brasileira. Com muita atenção, ele nos explica significados do lugar em que habitam uma fortaleza, o forte Cabana, uma das casa do Che e uma das melhores e mais lindas vistas de Havana. A cidade abaixo, duplicada nas águas do mar e do canal, emoldurada pelas cores da tarde derradeira, oferece a calma e a lindeza... ela não nos exige nada! Nós, agradecemos! E foi essa vista que os cubanos ofertaram a Che para que ele alí se instalasse. O amigo mais querido de Cuba, trabalhou alguns poucos anos na colina. A casa com móveis e objetos pessoais do comandante é cuidadosamente preservada e dentre os bens mais preciosos ali guardados está a foto na parede, registrando o momento em que Fidel pede ao amigo debilitado para se tratar da pneumonia. A foto é muito bonita e, por um momento, quase somos íntimos.
Decidimos que Cienfuegos e Trinidad, cidades históricas, distantes mais ou menos 250km ao sudeste de Havana entrariam também no nosso roteiro. A viagem é planejada com a ajuda de Luís que nos arranja o carro com motorista por 50 Cucs o fretamento de ida e volta. Um dos carros é velho, mas bem confortável e torna leve a jornada dos viajantes de pernas longas e, por vezes, doloridas. Três de nós nesse velho coche, outras três no outro, mais moderno, de fabricação japonesa, como muitos outros da indústria oriental que já na ilha transitam. No trajeto, a atenção é voltada para os cartazes que saúdam, engrandecem e reverberam palavras de ordem, especialmente direcionadas para Hugo Chaves e para Che Guevara. Eles são muitos e estão ao longo de toda a autopista. O sentimento nacionalista nesses painéis aparece para nós mais imponente que a paisagem natural que revela, na sua geografia, as plantações de cana, de manga, e de laranja. Além da agricultura e das manifestações aos heróis, temos no trajeto, algumas surpresas.
Primeiro, em um carro que nos ultrapassa, um motorista faz sinal, insistentemente, com cara meio feia e com dois dedos apontando para seus olhos. Ficamos imaginado o que ele estaria querendo dizer? Estou de olho em você? Mas, por que? Transporte de pessoas em um carro não autorizado? Logo depois dessa situação, entramos em uma ruazinha estreita, sem aviso prévio, naquilo que parecia ser a entrada para uma plantação de cana, local em que havia uma pequena casa e um trator. Outra interrogação. O que fazíamos ali? Perguntado, nosso motorista nos diz que vai falar com um amigo. Esse por sua vez, troca algumas palavras com o recém–chegado, e enche o tanque com gasolina. Nós, dentro do carro, esperamos curiosos na escuridão que trazia os medos. No outro carro, a experiência é semelhante. Diante de respostas evasivas para a nossa curiosidade, fazemos conjecturas. A gasolina para os trabalhadores do campo é mais barata, eles estão tendo que se virar em uma transição em que o turismo vem com uma forca inesperada e sem a infraestrutura necessária... ficamos na torcida para que o procedimento não seja ilegal e tampouco maléfico para a nova vida....
Cienfuegos nos recebe após quase quatro horas da partida de Havana. Adoramos a beleza e singularidade da província linda e preservada e logo comparada por nós com outros centros históricos. Pelotas e Oaxaca são algumas das lembranças que o lugar, tão genuíno, nos traz. Limpa, imperiosa e com uma arquitetura do século IX, Cienfuegos convida qualquer visitante a ficar mais do que as poucas horas que passamos lá.
O pouco tempo de estadia, no entanto, foi suficiente para o lugar nos fazer voltar no tempo com o coreto na praça e a lanchonete com o toldo listrado e lambretas passando na sua frente. Como se não bastasse, um por do sol colorido impressiona em um píer que embora não agrade com seu perfume, nos compensa com o espetáculo do crepúsculo.
Trinidad, nosso destino final está a mais de uma hora de viagem e, vencidos pelo sono, deixamos de ir ao festival cultural que fervilhava na cidade. Uma pena! Na chegada, fomos recepcionados por Ioanka em uma pousada decorada com brocados reluzentes. O brilho não agrada a todos, mas o zelo pela decoração e o esforço de fazer do mínimo, o máximo é digno de ser reconhecido e admirado. No centro histórico de Trinidad, o caminho forrado pelo pavimento irregular, do tipo pé-de moleque, vai sendo explorado diante de comparações com Paraty, Ouro Preto, Ribeirão da ilha...mas vamos aos poucos descobrindo as micro representações e a identidade marroquina e árabe vai nos distanciando das primeiras analogias....as praças sombreadas, a música sempre boa e...claro...mais um CD e mais um galanteio que já fazem parte.
Depois da música, o museu, com inúmeros registros da campanha revolucionária, nos coloca frente a
frente com um caminhão, um barco, uma bandeira que identificava os combatentes na Sierra Maestra,
armas e outros objetos utilizados em investidas da guerrilha na região. Na história ainda recente de Trinidad, além da arquitetura singular e do calçamento que impressiona, podemos entender seu importante papel de protagonista no comércio de açúcar. Essa lida na região movimentou a economia no século XVIII e XIV, atraindo imigrantes europeus, alguns provenientes da Jamaica. As portas das construções antigas, em estilo meio árabe relembram essas origens. O número de turistas na cidade incomoda um pouco e um cheiro, não muito agradável, proveniente da precária rede de esgotos são as única queixas que poderíamos por ventura fazer.
Um taxi, tomado no centro encalorado e lotado de turistas nos leva até a praia de Ancon onde tomamos um banho relaxante e divertido em um mar de verde lindo. A volta, em um microonibus, com a tarifa por menos de 2 Cucs revelou a falta de sensibilidade de um grupo europeu em relação a fila do ônibus, comparada a nossa boa educação latina. Respeitamos a fila, enquanto um grupo de alemães a furaram para entrar no ônibus, sem se importarem com as reclamações advindas em várias línguas. Passado o mal estar e todos acomodados, o interior do ônibus se converte em um espaço de vozes, sotaques e línguas diversas, desvendando a multiculturalidade e tamanha diversidade em espaço tão pequeno. Curtimos muito!
Já bastante empolgados com a vida cubana, tivemos uma saborosa experiência gastronômica. Havana
também tem preços bons para a comida. No centro, o Hanoi, restaurante com jeitinho de Bristô, foi escolha e indicação de amigos brasileiros, e não decepcionou. Comida boa e preço bem digno na rua com nome de Brasil, próxima a uma ilustre pracinha, com nome de Bispo, cuja esquina hospeda o Bar El Floridita! Gostamos muito do Hanoi. Filé de pescado, aporreado de rés, irrigado de cerdo foram algumas escolhas e a refeição, depois de mais de quinze quadras conquistadas a pé, ganhou ainda mais prestígio. O restaurante estatal El Carmelo (em que se pode fazer uma boa refeição por apenas 4 Cucs) e seu filé de pescado, ou o arroz campesino com uma incrível quantidade do grão misturada com carne de rés e de pollo, acompanhado de limonada com jeito de daiquiri, e as quesadillas com bucanero gelada no El Burrito eram algumas preferencias da trupe.
De Trinidad trouxemos o gosto do barzinho simpático, dos drinks coloridos e da lagosta (14 Cuc) no
quarto da vivenda em uma casa do séc 18 e o melhor daiquiri experimentado por lá. Também em Cienfuegos, hospedado em uma construção histórica, o restaurante Bóyon 1825 nos recebeu com um garçom de sorriso mas perfecto que nos ofereceu camarones, pollo e rés cuidadosamente preparados e
degustados com a cerveja Bocanera e com mojitos. Satisfeitíssimos, avaliamos o lugar como um dos melhores.
Mas nenhuma sensação gastronômica foi maior do que observar a vida, imaginar os dias mais duros e
conversar com os cubanos. As caminhadas a pé por havana velha permitia a descoberta, ao menos um
pouco, da vida mundana dos habitantes da ilha. Em alguns rostos, as marcas de uma vida dura, porém
altiva. Em algumas partes, o lixo e os restos de víveres jogados na rua causavam um pouco de desconforto para os mais urbanóides. Em todas as partes, crianças com brinquedos adaptados, feitos de qualquer objeto ou jogando futebol nas ruas, dividindo um par de patins divertiam, encantavam e emocionavam.
Encontramos a mulher oferecendo o trabalho de manicure em uma portinha escura, outra convidando o turista para voltar mais tarde, o homem performático, sentado, vendo TV em meio a uma quinquilharia de porcelanas e de objetos antigos, dizendo que podíamos entrar e apreciar sua casa, os que querem indicar ‘as casas do Che’... humanos, demasiadamente humanos...
No trajeto da rua Neptuno, nas proximidades do Hotel Inglaterra, no Café O'Reilly, na ótima feirinha da praça das armas, na caprichada região já revitalizada, nas ruas de Vedado, em todos lugares há o que há e tudo merece ser observado com atenção, antes que o diferente se torne familiar demais! Bom demais ouvir e prestar atenção no barulho de ferramentas funcionando e dos consertos que não param, observar os olhares curiosos para as novidades, como no momento em que o jovem casal se aproxima e aponta para o ipad e diz para a companheira: Mira eso...esta sacando fotos...y que grande es eso! ...
Enfim, em todos os lugares há a conversa boa, a camaradagem e a autoestima de um povo que soube lutar por sua dignidade e que acompanha atento as incertezas do futuro. E é no meio desse povo que se encontram situações, como por exemplo, em que o jovem médico mede a pressão da senhorinha e em seguida pega a picareta e a pá para ajudar os amigos na construção ou ainda, quando na fila da farmácia é dito para a turista desavisada que não é preciso ficar em linha reta, pois todos já sabem quem foi o último a chegar... e é desse povo que trouxemos a saudade e disposição para voltar, para flanar livremente no Malecón e para procurar entender que las aspiraciones pueden ser en extremo simples e que en Cuba la vida no se detiene!
Inêz Lucena
Final de janeiro de 2015, na ilha de cá.